Participação na Conferência em Conservação Integrativa (ICC) 2020

Evandro Neves, doutorando do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF), Universidade Federal do Pará

Evandro Neves, doutorando do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF), Universidade Federal do Pará

Eu venho aprendendo ao longo da minha trajetória universitária que salas de aulas, laboratórios e bibliotecas oferecem condições importantes à formação de qualquer profissional. Mas considero também que parte essencial da vida acadêmica acontece fora desses ambientes.

Eu participei recentemente do Integrative Conservation Conference 2020 (Conferencia em Conservação Integrativa), entre 06 e 09 de fevereiro.

A ICC é uma iniciativa que acontece a cada dois anos (sua primeira edição foi em 2018) com objetivo de conectar disciplinas acadêmicas para promover soluções justas e inovadoras para os problemas atuais de conservação. A edição de 2020 foi organizada pelo Center for Integrative Conservation Research (Centro de Pesquisa em Conservação Integrativa) da Universidade da Geórgia (UGA), nos Estados Unidos. Neste texto, pretendo compartilhar minha experiência de participação nessa conferência internacional como estudante de pós-graduação do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF), da Universidade Federal do Pará.

O instituto ao qual estou vinculado é voltado para a formação de profissionais cujo interesse científico é a problemática da agricultura familiar e do desenvolvimento sustentável na Amazônia. Para isso, adota enfoques interdisciplinares, multidisciplinares e transdisciplinares de modo a proporcionar a produção de conhecimento referentes aos temas centrais mencionados.

Minha participação na ICC 2020 foi relacionada à minha vinculação acadêmica com a Universidade Federal do Pará e ao tema da governança ambiental. Ela foi possível através de uma colaboração entre o Instituto de Estudos Caribenhos e Latino Americanos (LACSI) da Universidade da Geórgia e o INEAF. A parceria tem o propósito de desenvolver iniciativas para promover abordagens interdisciplinares a estudos relacionados à governança de recursos naturais entre estudantes e professores do Brasil e dos Estados Unidos. Por meio dela, recebi uma bolsa do LACSI para cobrir gastos com passagem aérea e hospedagem durante meus dias em Athens, cidade em que a conferência foi realizada. Ainda no âmbito dessa parceria, ressalto a Brazilian Natural Resource Governance Initiative (BNRGI), Iniciativa de Governança de Recursos Naturais do Brasil, uma rede profissional financiada pelo LACSI e formada por acadêmicos brasileiros e norte-americanos cujo fim é propor soluções aos problemas ambientais complexos referentes à governança ambiental.

Workshop BNRGI no dia 05 de fevereiro.

Workshop BNRGI no dia 05 de fevereiro.

Antes de mencionar propriamente o evento, devo ressaltar uma experiência anterior, mas vinculada a ele. Houve um Workshop organizado pelos membros do BNRGI no dia 05 de fevereiro que proporcionou o primeiro momento em que pude apresentar a minha pesquisa e receber feedbacks interessantes. E também me permitiu conhecer pesquisas e pessoas muito interessantes. Por exemplo, a relação entre o extrativismo e a pecuária nas estratégias de autoconsumo de extrativistas em uma Reserva Extrativista no Acre, desenvolvida por Bruno Ubiali, estudante do Departamento de Antropologia da UGA; Aprendizado Social em uma rede multiorganizacional que opera no Brasil e nos Estados Unidos, desenvolvida por estudantes brasileiros que estudam na Universidade da Flórida e liderada por Carolina de Oliveira Jordão, da Escola de Recursos Florestais e Conservação, da Universidade da Flórida; o mapeamento de riscos no sistema de abastecimento de água no Nordeste brasileiro por meio de metodologia participativa; desenvolvida por Gabriela de Azevedo Reis, discente do Departamento de Antropologia da UGA e do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Ceará; e o debate sobre extração de madeira em áreas protegidas na Amazônia, liderado por Ana Luiza Violato Espada, também da Escola de Recursos Florestais e Conservação da Universidade da Flórida. Na minha opinião, um dos benefícios promovidos pelo Workshop foi conhecer outras pessoas e suas respectivas pesquisas. Foi uma oportunidade de dialogar com profissionais que estão interessados nos mesmos temas que eu, mas estudam em universidades diferentes.

A conferência iniciou no dia seguinte do Workshop, durou três dias e incluiu seminários com temas relativos à conservação ambiental, apresentações orais de estudantes de graduação e pós-graduação e muitas palestras interessantes. Em uma das sessões do dia 07 (“Governança de recursos naturais brasileiros: em direção a uma abordagem integrativa”), fiz uma apresentação oral relacionada a uma pesquisa acadêmica iniciada em 2014 no projeto de pesquisa Recursos Naturais e Antropologia Social (RENAS III) do Museu Paraense Emílio Goeldi. Minha comunicação teve como objetivo elucidar a importância da participação comunitária na gestão da Reserva Extrativista Marinha de Soure, Marajó (PA).

Comunicação oral na Integrative Conservation Conference 2020, Athens (GA).

Comunicação oral na Integrative Conservation Conference 2020, Athens (GA).

Durante a comunicação, foquei em duas situações pontuais: como a não participação comunitária pode enfraquecer a estrutura de governança e gestão do território e como os interesses diferentes dos agentes territoriais podem enfraquecer iniciativas locais. Além disso, considerei fundamental apresentar a ação conjunta entre pescadores artesanais e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); o apoio à iniciativa da comunidade pela qual esse instituto garante a deliberação e implementação de ações conduzidas pelas próprias comunidades referentes à gestão do território; e a existência de interesses distintos em relação ao turismo, o que produz conflitos entre comunitários e instituições. Demonstrei como esse “problema de governança” traduz um desafio à cogestão entre os envolvidos na gestão territorial e como ele é debatido nas reuniões do Conselho Deliberativo da unidade de conservação.

A minha maior dificuldade para a apresentação foi, sem dúvida, o idioma. Apesar de ter estudado inglês no Brasil ao longo de cinco anos, eu nunca havia viajado para um país onde o inglês é o idioma principal. Além disso, minha prática de conversação sempre foi pouca. Meu primeiro desembarque, por exemplo, foi no Aeroporto de Atlanta, capital do Estado da Geórgia, onde as pessoas têm um sotaque bem peculiar que eu jamais havia escutado em salas de aulas. Quando cheguei em Athens, cidade sede da conferência, notei variância breve do idioma, que passa despercebida para praticantes longevos, mas foi algo totalmente novo para mim. Isso não impediu que eu me comunicasse, mas logo me situou em ambiente e cultura totalmente novos.

O fato de eu ter sido recebido por professores praticantes da Língua Portuguesa, Donald Nelson e Gregory Thaler, ambos docentes da UGA, e ter me hospedado na casa de colegas brasileiros me ajudou bastante. Essas circunstâncias, associadas à gentileza e simpatia dos anfitriões, me proporcionaram confiança para que eu pudesse comunicar minha pesquisa em inglês de modo tranquilo na conferência.

Após as apresentações orais de estudantes durante as manhãs, a conferência foi sucedida por diversas palestras muito interessantes proferidas por profissionais renomados. Entre as apresentadoras principais do evento, destaco a pesquisa de Elaine Gan, docente da “Graduate School of Arts & Science” da Universidade de Nova York. Sua prática de pesquisa transdisciplinar – que combina artes, ciências humanas e digitais para explorar a relação entre espécies e paisagens ao longo do tempo – chamou muito a minha atenção para práticas agrícolas que observo em assentamentos rurais na Amazônia brasileira. A associação de uma prática milenar, o cultivo do arroz, entre uma cultura nos Estados Unidos e no Brasil pode ser nítida se analisarmos a herança cultural que o cultivo do grão carrega consigo há quase 2.000 anos, o que a torna uma das culturas mais valiosas do Antropoceno.

Apesar da pouca habilidade na prática comunicativa em inglês, estive atento aos diálogos e absorvi quase tudo graças à habilidade da escuta; que pouco falha, inclusive. No que diz respeito a isso, especificamente, o final do evento foi muito especial. Um grupo de profissionais e estudantes da Música, verdadeiros maestros, adicionaram algumas pesquisas apresentadas ao longo do evento em seus repertórios. Eles não só fecharam o evento com “chave de ouro”, mas realmente demonstraram como ciência e música podem proporcionar momentos de apreciação e aprendizado únicos.

A ICC 2020 reúne profissionais de várias disciplinas a fim de criar canais para que pesquisadores envolvidos em temas de conservação socioambiental compartilhem experiências, metas e objetivos de modo mútuo, debatam e proponham metas de conservação em seus contextos particulares. Afinal, a produção de conhecimentos interdisciplinares em questões relacionadas às ciências agrárias, ambientais e sociais fortalece a formação de profissionais capazes de atuar de forma efetiva na elaboração de políticas públicas para problemas atuais complexos.

De fato, a experiência de contato com estudantes de outros países e pesquisas referentes à conservação ambiental me mostrou como conferências ou quaisquer outros eventos científicos são tão importantes quanto salas de aulas e laboratórios para a formação profissional (e pessoal). Mas além do espaço acadêmico, devo ressaltar que passeios na neve também proporcionaram conversas interessantes não só sobre a pesquisa científica, mas também sobre a vida como estudante de doutorado.

Bate-papo e passeio na neve com estudantes da Universidade da Geórgia e da Universidade da Flórida no Sanford Stadium.

Bate-papo e passeio na neve com estudantes da Universidade da Geórgia e da Universidade da Flórida no Sanford Stadium.

É por isso que digo: não só a composição formal de uma conferência é importante, mas também os encontros e eventos sociais que os acompanham.

Eu realmente apreciei a oportunidade de participar da conferência, que foi possível graças ao apoio financeiro do LACSI. Sou bastante grato por ter recebido esse apoio e por ter comunicado sobre minha pesquisa. De modo geral, percebi que a ICC aponta que a ciência produzida entre profissionais do Brasil e dos Estados Unidos está entrelaçada por uma tendência forte de produzir conhecimento a partir do diálogo entre pessoas de áreas distintas. É particularmente um modo de consolidar iniciativas relacionadas à governança ambiental.

Eu recomendo a alunos e alunas da graduação e pós-graduação a participação de eventos científicos, sejam regionais, nacionais ou internacionais e sugiro que aproveitem também os eventos sociais que os acompanham. Além de ser uma oportunidade de reunião entre colegas cujos temas são próximos de sua pesquisa e, sobretudo, aprendizado com profissionais mais experientes, é um caminho muito importante para conhecer pessoas e formar redes interpessoais.